Vinte e oito de fevereiro, é a data em que o Movimento Negro celebra o Levante do Joanes. Um acontecimento histórico que completa 207 anos e, que ainda nos dias atuais, traz profundas reflexões acerca das relações raciais e sobre a luta por direitos e igualdade.
Em 28 de fevereiro de 1814, negros e negras escravizados(as) resolveram dizer não ao racismo, à discriminação racial e se rebelarem contra aqueles que atentavam contra sua dignidade. A rebelião aconteceu numa segunda-feira, que segundo João Reis, o dia anterior, um domingo, era bom para a mobilização dos escravos, dia de folga, quando estariam mais livres para circular, até para sumir durante algumas horas sem serem notados, se reunir para os últimos retoques do levante e, em seguida agir.
Naquela madrugada, então, uma força de cerca de duzentos rebeldes atacou armações de pesca de baleias, à cerca de uma légua ao norte da capital, onde contavam com aliados.
É importante entender que o levante do Joanes não foi um ato rebelde isolado, ele está contido num ciclo de rebeliões que se iniciou em 1807 e culminou com a maior e mais conhecida de todas elas, a Revolta dos Malês em 1835.
Muitos dos documentos que deveriam trazer o registro desse levante, infelizmente, não resistiram ao tempo, ou, ainda, não foram encontrados pelos pesquisadores. O que se tem de mais concreto é a cópia do Acórdão, a decisão final do julgamento a que foram submetidos os rebeldes do Levante do Joanes, perante o Tribunal da Relação da Bahia. Infelizmente, a devassa completa, conduzida pela Ouvidoria do Crime, por enquanto está perdida, considerando que sobreviveu ao tempo.
Para entender melhor as rebeliões que aconteceram na Bahia, no final do século XVIII, é importante voltar o olhar para a África, pois, neste mesmo período, acontecia uma intensa guerra religiosa no continente, no qual os grupos étnicos, derrotados, eram capturados e enviados para o Brasil como escravos.
No centro dessa guerra religiosa, estavam os negros islamizados. Os haussás foram os que chegaram em maior número, e, justamente por terem participado dos combates na África, eles foram os principais protagonistas das rebeliões na Bahia e em especial no Levante do Rio Joanes.
Documentos registram que os negros(as) revoltosos(as) destruíram as várias armações de pesca de baleia, ao longo de todo o litoral da capital. A pesca da baleia era uma das atividades econômicas mais rentáveis da época. A cópia do Acórdão, no qual estamos debruçados, revela as ações do Levante no bairro do Rio Vermelho e de Itapoã. Foi um dia de luta intensa e, à tarde, quando finalmente chegaram às margens do Rio de Joanes, os rebeldes foram barrados por homens da milícia da Casa da Torre e moradores locais, vindos de Abrantes, sob o comando de Manoel Rocha Lima. Também participaram do confronto, homens liderados pelo cabo de polícia de Itapoã, Domingos Gomes da Costa. Segundo o Acórdão, essas duas forças, rapidamente mobilizadas, foram responsáveis por dar combate aos revoltosos. Outras fontes registram que trinta homens da cavalaria e infantaria, foram despachados de Salvador pelo Conde dos Arcos, então governador da Bahia, mas que não participou do combate.
Foi um massacre. Cansados, os negros(as) rebeldes armados apenas com facão, pedras e pedaços de pau, não resistiram por muito tempo às armas de fogo das forças de segurança. Mesmo diante da derrota eminente, registros atestam que os rebeldes preferiram morrer a se render e muitos se jogaram nas no Rio Joanes, cujas águas se tornaram vermelhas, misturadas ao sangue negro que clamava por liberdade.
207 anos depois, o Movimento Negro de Lauro de Freitas, rememora esse importante momento, para celebrar a luta, honrar o sague derramado de cada mulher, de cada homem naquela data. O grupo cultural, CIA Tradições de uma Bahia, em parceria com a Hárpia Filmes e a Sepadhir, diante da situação de pandemia e cumprindo os protocolos de distanciamento e isolamento social, montaram um pequeno espetáculo que ilustra esse momento espacial de história de resistência do povo negro.
Da redação