As frases: “Eu não consigo respirar”, dita por George Floyd, nos Estados Unidos; “Só me deixa respirar”, por João Alberto, no Carrefour, Rio Grande do Sul e “Não me machuque”, por Nivaldo de Jesus, na Estação Aeroporto, na Bahia, traduzem o drama vivido por homens negros e revelam como funciona o modus operandi do racismo no mundo.
A exemplo de George Floyd e João Alberto, Nivaldo também poderia ter sido morto na última quinta-feira (25), por um motivo torpe, alicerçado na trágica concepção de que negros, são seres menos humanos, menos importantes e que, portanto, são mais descartáveis. Contudo, o debate acerca do que ocorreu na quinta-feira, não pode ser resumido à ação truculenta dos soldados da Polícia Militar da Bahia, e sim, sobre os motivos que desencadearam essa ação.
Nivaldo de Jesus coordena um grupo de vendedores ambulantes, que comercializam seus produtos na Estação Aeroporto, administrada pela CCR, multinacional que explora o serviço metroviário de Salvador.
As restrições implícitas nos decorrentes decretos governamentais, publicados com objetivo de frear o avanço da COVID 19, acabou sendo utilizado por servidores da CCR, para justificar atos arbitrários e que atentam contra o direito de cidadãos que buscam, num ambiente de insegurança econômica, garantir o sustento de suas famílias. Segundo informações levantadas pelo Folha Popular, a agressão contra Nivaldo ocorreu depois de já pacificado, num primeiro momento de tensão, entre baleiros e seguranças da CCR.
Segundo testemunhas, a PM foi chamada e questionou a presença do ambulante no local. O mesmo teria respondido que havia perdido o ultimo ônibus, que por conta do decreto, teve o horário de circulação reduzido para as oito horas da noite e, que por conta disso, não teria condições de ir para casa. Convidado a entrar na viatura, para ser conduzido à delegacia, Nivaldo informou que só entraria com seus pertences, o que, segundo ele, comprovaria junto à autoridade policial da 27ª DP, sua atuação como vendedor ambulante. Como seu pedido fora negado pelos policiais, ele se recusou a entrar na viatura, o que levou os agentes policiais a forçar sua condução.
O curioso, segundo militantes do Movimento Negro de Lauro de Freitas, foi o fato que, no plantão seguinte, já no dia 1º de março, a mesma guarnição que fez a primeira abordagem a Nivaldo, voltou a Estação Aeroporto, para resolver um outro incidente, envolvendo seguranças da CCR, que subtraíram produtos de uma ambulante. Novamente Nivaldo foi conduzido à delegacia, pois não aceitou que as “coxinhas” da ambulante fossem descartadas pela multinacional.
Contudo, desta vez, segundo depoimento de Nivaldo, ao chegar no estacionamento da 27ª CP, em Itinga, os policiais militares da Base Comunitária, ao invés de apresentá-lo ao delegado, o conduziram, ainda na viatura, para um ambiente mais isolado do estacionamento, abriu o porta-malas, onde estava Nivaldo e iniciaram uma seção de espancamento.
Ainda segundo testemunhas, com o tumulto causado, os agentes da polícia civil chegaram a reclamar, informando que se fosse para apresentar o homem à delegada, que o fizessem logo, pois ali não era ambiente para tal ação e, que se fossem dar continuidade ás agressões, que se retirassem das imediações da delegacia.
Nivaldo foi apresentado à delegada e, a partir do pedido feito por um agente de direitos humanos, que estava na delegacia, foi encaminhado ao IML para fazer exame de corpo de delito. No momento das agressões, Nivaldo também desferiu golpes e chegou a morder a perna e o antebraço dos policiais que o conduziram, esses, também, encaminhados ao IML.
Um novo princípio de tensão foi gerado, pois Nivaldo acusou um dos policiais de tentar intimidá-lo. Os agentes locais foram rápidos em harmonizar o ambiente, colocando-os em espaços distintos.
Nivaldo vai responder pelos crimes de agressão, desacato e desobediência.
Da redação