Ele é poeta, cineasta, filho de Xangô, homem das ruas e empreendedor cultural. Um dos poetas mais recitados em Saraus que tenham a Poesia Negra como foco, ou que tenham a juventude como público alvo. Dentre as suas mais de 50 poesias, uma se destaca: “A revolta de tia Anastácia”, que em 2016 comemora 25 anos. Fruto da indignação de Giovane Lima da Silva – Giovani Sobrevivente, como é conhecido – diante do quadro que via todos os dias enquanto trabalhava no Moinho Salvador (Comércio), onde se fabricava a farinha de trigo Dona Benta: mulheres negras, suadas, dando sua força de trabalho sem reconhecimento.
“Tia Anastácia está revoltada! Ela faz os bolinhos e Dona Benta é quem leva a fama. Farinha de Trigo deveria se chamar Tia Anastácia!”.
Versos conhecidos, repetidos sempre em saraus como o Sarau da Onça, em Sussuarana, como lembra Giovane. As primeiras reações à poesia ele não lembra, mas sabe que ela é um marco em sua literatura. “Quando eu vejo ela sendo recitada, enxergo como uma extensão da luta. É um instrumento de luta que está sendo compartilhado entre nós”, diz o filho de D. Maria Clementina que atribui a construção desta pérola poética a sua passagem pelo grupo de Teatro Choque Cultural.
A veia para o Audiovisual também pulsa forte neste soteropreto, que mantém seu canal no youtube – Coisa Forte Produções -, no qual divulga entrevistas, registros de atividades na cidade, tudo feito por ele mesmo. É no bairro de San Martin que ele atua e faz sua arte, que já trilha aí mais de 30 anos dos seus, hoje, 44. É lá que ele desenvolve seu sonho: produzir audiovisual na comunidade, a partir da Escola Forte Produções, uma espécie de escola de cinema na qual são produzidos pequenos vídeos com crianças e jovens do bairro em seus próprios celulares. É na rua mesmo, sem paredes, que Giovani faz acontecer.
“No momento, o projeto está parado, precisa do atrativo para as crianças – lanche, equipamentos, internet – que não temos. Esta é uma forma da comunidade se ver na tela, mas precisamos de estrutura”, conta. No momento, Giovani produz um documentário com a ajuda destes pequenos cineastas comunitários. É o “Torcida fiel, estado traidor”, que propõe uma reflexão quanto ao futebol como instrumento de manipulação.
Suas poesias de denúncia e de militância podem ser ouvidas no CD Melanina, lançado em 2015, que contém 14 faixas, dentre poesias, depoimentos e música. Dentre elas está aquela que marcou Giovani, chamada “Verdade”. “Nessa, tudo é verdade, tudo eu vivi. Um dos primeiros poemas que falo dos Orixás”. (trecho dela) A militância de Sobrevivente é mordaz, é inteligente, sonora, é visceral. Segundo o autor, sua poesia é uma arma. “Esse CD foi pensado como uma forma de combater essas várias mortes que vamos tendo: a moral, afetiva, psicológica, cultural, social, religiosa e a física. Esse é o projeto do racismo e já que é esse, a poesia é uma arma de luta pela vida”, afirma Giovani.
“Mas Candomblé é religião que cultiva a natureza. Xangô é o orixá que guia minha cabeça. Na defesa de Exú eu vou me rebelar.Titanic foi pro mar, mas não falou com Iemanjá…Afundou!” (Poesia “A verdade”)
Giovane Lima da Silva é um sobrevivente. A banda de pagode na qual cantava em 1998 não contemplou toda a verve poética que precisava gritar e escancarar as realidades. Hoje ele diz: “Sobrevivente é o nome de todo homem negro e mulher negra que está vivo, já que o projeto do racismo é a morte”. Dentre os que o influenciam, nomes como Landê Onawalê, José Carlos Limeira, Hamilton Borges, Fabiana Lima (Resistência Poética). Giovane tem umas 20 poesias que ainda não foram recitadas, estão aguardando “o tempo certo”, diz ele. Enquanto isso, ele planeja e executa alguns projetos em Salvador, paralelo à sua profissão de agente comunitário de saúde. Está gravando o clipe de “Melanina” (produzido por: Marcão dois H, Junior e a Coisa Forte Produções) e quer gravar novo CD de poesias. Um livro, talvez? “Não, CD”, é enfático.
“O CD chega mais rápido em quem precisa ser tocado. A oportunidade de adquirir é maior. Mais do que um CD de poesia, é um posicionamento político que chega às casas das pessoas antes da bala. Isso é uma forma de fazer movimento negro, pois quando o estado chega na comunidade é com a Polícia ou com o carro do lixo, quando passa. Precisamos – o mais rápido possível – levar essa informação, no dia a dia. A militância tem q ser feita 24h, sem glamour. É nossa obrigação fazer enfrentamento, pois o racismo é a morte, então temos que lutar pela vida. Até porque defunto não escreve, não entra em estúdio nem em faculdade”, dispara Giovani Sobrevivente.
Quer acompanhar as produções de Giovani? Se inscreve no canal da Coisa Forte Produções, no Youtube!
O CD Melanina é um trabalho de muitas mãos:
01 – Encruzilhada (Giovane Sobrevivente)
Participações: Valdina Pinto, DJ Leandro, Cleber da Paixão e Sotéro
02 – De volta pro Quilombo (Giovane Sobrevivente)
Introdução: Alpha Petulay / Gravação: Edson Chiquinho.
03 – Um sonho (Giovane Sobrevivente )
Participações : Cosme OnanWalê, Cida Reis e Mia Lopes Paulo Pinheiro
04 – Devolva a perna do Saci (Giovane Sobrevivente)
Participações: Jorge Conceição e Cleber da Paixão
05 – Desempregado (Giovane Sobrevivente)
06 – Tia Anastácia (Giovane Sobrevivente)
Trilha sonora: Sítio do Picapau Amarelo da música de Gilberto Gil
07 – A verdade (Giovane Sobrevivente)
Participação: Rita Braz
08 – É carnaval (Giovane Sobrevivente)
Participação: Geovan Bantu/ violão: Adilson Mãoza / áudio retirado da última entrevista de Jorge Lafon no programa Rede TV.
09 – Sou negro (Giovane Sobrevivente)
Depoimento da Socióloga Vilma Reis na CPI da Câmara Federal que apura a violência urbana.
10 – Homem Branco (Giovane Sobrevivente)
Participações : Brenda Nayla e Leo Souza
11 – Contas Brancas (Giovane Sobrevivente)
Participações : Dj Leandro e Cleber da Paixão
12 – Na roda (Giovane Sobrevivente)
13 – 13 pretos (Giovane Sobrevivente)
14 – Melanina (Giovane Sobrevivente)
Fonte: http://portalsoteropreta.com.br/